Articulando os direitos humanos à saúde e aos benefícios do progresso científico no processo de avaliação e incorporação de medicamentos: do global ao local

Autores

DOI:

https://doi.org/10.17566/ciads.v10iSuplemento.856

Palavras-chave:

Direitos Humanos, Direito à Saúde, Avaliação Tecnológica em Saúde, Legislação & Jurisprudência

Resumo

Na perspectiva dos direitos humanos à saúde e aos benefícios do progresso científico, o artigo analisa o arcabouço jurídico-institucional e argumentativo da avaliação e incorporação de novas tecnologias nos sistemas de saúde, como essencial na garantia do acesso a medicamentos. Com base na revisão documental e na literatura internacional e brasileira, investigou-se o arcabouço internacional em confronto com o brasileiro, com foco na repercussão e compatibilização dos fatos técnicos e científicos (razões extrassistemáticas) com os enunciados jurídicos (razões sistemáticas) na efetivação desses direitos. Constatou-se, no âmbito local e global, o predomínio de uma concepção que prioriza a eficiência econômica e sustentabilidade dos sistemas de saúde, em detrimento à visão ética e política da incorporação das inovações farmacêuticas como um direito humano, fundamentado na solidariedade, justiça social e equidade. No âmbito nacional, houve avanços na institucionalização do processo de incorporação e avaliação, com critérios e parâmetros legais semelhantes a outros países e compatíveis com as recomendações sanitárias internacionais. As fragilidades nacionais observadas foram as flexibilizações de critérios legais na prática da incorporação que elevam o ônus probatório técnico-científico dos cidadãos para o encaminhamento dos pedidos; a ampliação e priorização de elementos econômicos e orçamentários na análise; e a ausência de previsão de participação de representantes de usuários no processo avaliativo. Conclui-se que a principal tensão nas normas e práticas analisadas com os direitos humanos é a priorização de razões predominantemente econômicas, financeiras e orçamentárias, em detrimento aos benefícios potenciais comprovados para a saúde de inovações farmacêuticas. Nesse sentido, o arcabouço analisado compromete a efetivação dos direitos humanos nas políticas de atenção à saúde, com prejuízos significativos no acesso justo e igualitário às inovações terapêuticas.

Downloads

Os dados de download ainda não estão disponíveis.

Biografia do Autor

  • Miriam Ventura , Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Doutora em Saúde Pública, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; Professora associada, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro. https://orcid.org/0000-0001-8520-8844. E-mail: miriam.ventura@iesc.ufrj.br

  • Deisy de Freitas Lima Ventura , Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo

    Doutora em Direito, Universidade de Paris 1, Pantheón-Sorbonne, Paris, França; Professora titular, Departamento de Saúde Ambiental, da Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. https://orcid.org/0000-0001-8237-2470. E-mail: deisy.ventura@usp.br

Referências

Biehl J. Theorizing global health. Medicine Anthropology Theory. 2016; 3(2). doi.org/10.17157/mat.3.2.434

Hunt P, Khosla R. Acesso a medicamentos como um direito humano. Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos. 2008; 5(8):100-121

Ventura D, Nunes J. Apresentação. Lua Nova: Revista de Cultura e Política. 2016; (98):7-16. doi.org/10.1590/0102-6445007-013/98

Ventura D. Direito e saúde global: o caso da pandemia de gripe A (H1N1). São Paulo: Outras Expressões; Dobra Editorial; 2013.

OMS. 2014; WHA 67.23. Health intervention and technology assessment in support of universal health coverage.

Yamin AE, Cantor R. Between insurrectional discourse and operational guidance: challenges and dilemmas in implementing human rights-based approaches to health. Journal of Human Rights Practice. 2014; 6(3):451-85.

Gostin LO et al. The legal determinants of health: harnessing the power of law for global health and sustainable development. Lancet. 2019; 393(10183):1857-1910. doi:10.1016/S0140-6736(19)30233-8.

World Health Organization. WHA 68.18. Global strategy and plan of action on public health, innovation and intellectual property (GSPOA). Geneva: WHO; 2015.

World Health Organization. WHA 72.8. Improving the transparency of markets for medicines, vaccines, and other health products. Geneva: WHO; 2019.

World Health Organization. WHA 69.20. Promoting innovation and access to quality, safe, efficacious and affordable medicines for children. Geneva: WHO; 2016.

Faria PL, Cordeiro JV. Managing a difficult ethical and legal equilibrium in healthcare: assuring access to the basics while keeping up with innovation. Rev. Portuguesa de Saúde Pública. 2014; 3 2(2):121-122. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.rpsp.2014.11.001.

Caetano R et al. Incorporação de novos medicamentos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS, 2012 a junho de 2016. Ciência & Saúde Coletiva. 2017; 22(8), 2513-2525. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017228.02002017.

Biehl J, Socal MP, Gauri V, Diniz D, Medeiros M, Rondon G, Amon JJ. Judicialization 2.0: Understanding right-to-health litigation in real time. Glob Public Health. 2019 Feb;14(2):190-199. doi: 10.1080/17441692.2018.1474483. Epub 2018 May 21. PMID: 29781395.

Vargas-Pelaez CM, Rover MRM, Soares L, Blatt CR, Mantel-Teeuwisse AK, Rossi FA, Restrepo LG, Latorre MC, López JJ, Bürgin MT, Silva C, Leite SN, Farias MR. Judicialization of access to medicines in four Latin American countries: a comparative qualitative analysis. Int J Equity Health. 2019 Jun 3; 18(1):68. doi: 10.1186/s12939-019-0960-z. PMID: 31154999; PMCID: PMC6545681.

United Nations. CESCR General Comment n. 14 E/C.12/2000/4. The right to the highest attainable standard of health. New York: UN; 2000.

United Nations. WHA 67.22. Access to essential medicines. New York: UN; 2014.

United Nations. CESCR General Comment n. 25 E/C.12/GC/25. On science and economic, social and cultural rights. Article 15 (1) (b), (2), (3) and (4) of the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights. New York: UN; 2020.

United Nations. HRC. A/HRC/RES/23/14. Access to medicines (general resolution). New York: UN; 2013.

Brasil. Supremo Tribunal Federal. Saúde. Notas taquigráficas da Audiência Pública. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília; s/d.

Brasil. Supremo Tribunal Federal. Voto do ministro Gilmar Mendes na STA 175 AgR/CE. Brasília; s/d.

Conselho Nacional de Justiça. Recomendação n.º 31, de 30 de março de 2010. Recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde. DJE/CNJ nº 61/2010; 2010 abr. 07. p. 4-6.

Bucci MPD. Contribuição para a redução da judicialização da saúde: uma estratégia jurídico-institucional baseada na abordagem de direito e políticas públicas. In: Bucci MPD, Duarte CS (Coords.). Judicialização da saúde: a visão do Poder Executivo. São Paulo: Saraiva; 2017. p. 31-88.

Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Conselho Nacional de Justiça. Judicialização da saúde no Brasil: Perfil das demandas, causas e propostas de solução. Justiça Pesquisa. São Paulo: INSPER; 2019.

Dallari SG. Controle judicial da política de assistência farmacêutica: direito, ciência e técnica. Physis. 2010; 20(1):57-75.

Pereira VRT. Tríade dos repetitivos de saúde: a judicialização após vereditos de STJ e STF. Revista Consultor Jurídico. [internet]. 2020 jul. 24 [citado em 15 out. 2021]. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jul-24/viviane-pereira-triade-repetitivos-saude?imprimir=1

Atienza M. As razões do Direito: teorias da argumentação jurídica: Perelman, Viehweg, Alexy, MacCormick e outros. São Paulo: Ed. Landy; 2006.

Atienza M. Curso de argumentação jurídica. Curitiba: Alteridade; 2017. 254 p. (Coleção Direito, Retórica e Argumentação, v. 1).

Novaes HMD, Soárez PC. Organizações de avaliação de tecnologias em saúde (ATS): dimensões do arcabouço institucional e político. Cadernos de Saúde Pública. 2016 nov 03; 32(Supl. 2), e00022315. Epub 2016 nov 03. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00022315

Lima SGG et al. O processo de incorporação de tecnologias em saúde no Brasil em uma perspectiva internacional. Ciência & Saúde Coletiva. 2019 May 30; 24(5):1709-1722. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232018245.17582017

Charvel S, Cobo F, Larrea S, Baglietto J. Challenges in priority setting from a legal perspective in Brazil, Costa Rica, Chile, and Mexico. Health and Hum. Rights. 2018; 20(1):173-84.

Silva HP, Elias FTS. Incorporação de tecnologias nos sistemas de saúde do Canadá e do Brasil: perspectivas para avanços nos processos de avaliação. Cadernos de Saúde Pública, 35 (Suppl. 2), e00071518. Epub Aug. 15, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311x00071518

Aith FMA et al. Os princípios da universalidade e integralidade do SUS sob a perspectiva da política de doenças raras e da incorporação tecnológica. Revista de Direito Sanitário. 2014; 15(1):10-39. [citado em 23 set. 2016]. Disponível em: https://bit.ly/2U345IM.

Bernier L et al. Legal governance in HTA: environment, health and safety issues. Ethical, legal and social issues (EHSI/ELSI), the ongoing debate. Canadian Journal of Bioethics. 2020; 3(1).

Ciarlini ALA. Análise jurídica dos critérios axiológicos de avaliação de medicamentos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao SUS – Conitec. Cad. Ibero Am. Direito Sanit. 2016; 5(1):205-219.

Morozowski AC. A imprescindibilidade da transparência e da adequada fundamentação no processo de incorporação de tecnologias no SUS. Migalhas. 2019b [citado 25 out. 2019]. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/313653/a-imprescindibilidade-da-transparencia-e-da-adequada-fundamentacao-no-processo-de-incorporacao-de-tecnologias-no-sus

Diniz S. Evidência em saúde: o que são, o que podem ser, e de que tipo de evidências precisamos. In: Paiva V, França Jr I, Kalichman AO (orgs.). Vulnerabilidade e direitos humanos: prevenção e promoção da saúde. São Paulo: Juruá; 2012. p. 49-50.

Ayres JRCM. Uma concepção hermenêutica de saúde. Physis. 2007; 17(1):43-62.

Camargo KR. Science, health, and human rights. Global Public Health. 2021. [citado em 15 out. 2021]. Disponível em: https://doi.org/10.1080/17441692.2021.1950800

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes metodológicas: elaboração de pareceres técnico-científicos / Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Ciência e Tecnologia. 2. ed. rev. e ampl. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. 62 p.

Pedro EM, Caetano R, Teodoro CRS, Steffen RE, Silva RM. Incorporação de medicamentos sem registro sanitário no SUS: um estudo das recomendações da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no período 2012-2016. Visa em Debate [Internet]. 2018 ago. 31; 6(3):12-21. Disponível em: https://visaemdebate.incqs.fiocruz.br/index.php/visaemdebate/article/view/1042

Morozowski AC. A imprescindibilidade da análise mínima do custo-efetividade nas ações de saúde. Revista da Escola de Magistratura do TRF da 4.ª Região. 2019a; 12(5): 245-254.

Ferraz OLM, Vieira FS. Direito à saúde, recursos escassos e equidade: os riscos da interpretação judicial dominante. Dados. 2009; 52(1):223-251. doi: https://doi.org/10.1590/S0011-52582009000100007

Soarez PC, Novaes HMD. Limiares de custo-efetividade e o Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica. 2017 maio 18; 33(4):e00040717.

Santos MS et al. Contradições e o limiar de custo-efetividade. Cadernos de Saúde Pública [online]. 2017; 33(8):e00096117. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00096117

Donders Y. The right to enjoy the benefits of scientific progress: in search of state obligations in relation to health. Med Health Care and Philos. 2011; 14(371). Disponível em: https://doi.org/10.1007/s11019-011-9327-y

Publicado

10-12-2021

Como Citar

1.
Articulando os direitos humanos à saúde e aos benefícios do progresso científico no processo de avaliação e incorporação de medicamentos: do global ao local. Cad. Ibero Am. Direito Sanit. [Internet]. 10º de dezembro de 2021 [citado 29º de março de 2024];10(Suplemento):11-3. Disponível em: https://www.cadernos.prodisa.fiocruz.br/index.php/cadernos/article/view/856