Resumo
RESUMO: objetivo: analisou-se o papel do Ministério Público na autocomposição bilateral de conflitos sanitários transindividuais, envolvendo políticas públicas de saúde, notadamente se pode atuar como mediador, tendo em vista sua condição de parte, legitimado extraordinário pela substituição processual. Metodologia: tratou-se de estudo exploratório, de base qualitativa, desenvolvido a partir de fontes documentais primárias e bibliográficas, interpretadas e valoradas com os recursos da análise de conteúdo. Resultados: os resultados apurados indicaram que a adequada resolução de conflitos sanitários transindividuais, envolvendo direito à saúde e políticas públicas de saúde, perpassa por um sistema multiportas de acesso à Justiça, com primazia para a autocomposição bilateral, através da negociação, da mediação e da conciliação, de modo que o sistema de jurisdição somente seja acionado como último recurso. Emergiu, também, a legitimidade do Ministério Público para atuar nesse sistema, desempenhando distintos papéis na seara judicial e extrajudicial, tendo a observância ao ordenamento jurídico como linha condutora de sua atuação. Conclusão: na autocomposição bilateral de conflitos sanitários transindividuais, o Ministério Público atua como autêntico negociador colaborativo.
Referências
Vivenciamos o que Watanabe apresenta como fenômeno da “expansão do direito”, aliado à “falência do Estado-Providência”, que consagrou e ampliou direitos sociais sem o compromisso com a indispensável correspondência financeiro-orçamentária para concretizá-los (1). Watanabe K. Processo civil de interesse público: introdução. In: Salles, CA, organizador. Processo Civil e interesse público: o processo como instrumento de defesa social. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, Associação Paulista do Ministério Público; 2003. p.15-21.
Salles identifica nesse contexto um novo modelo de litigância civil, cujo objeto “é vindicar a efetivação de políticas públicas expressas em lei ou decorrentes de valores consagrados constitucionalmente.” (3). Salles CA. Processo civil de interesse público. In: Salles, CA, organizador. Processo Civil e interesse público: o processo como instrumento de defesa social. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, Associação Paulista do Ministério Público; 2003. p. 39-77.
Para Barroso, “significa que algumas questões de larga repercussão política e social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo” (4). Barroso LR. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Cadernos (Syn)thesis. 2012, 5 (1): 23-32. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/synthesis/article/view/7433/5388. [Acesso em: 24.set.2017].
Delduque e Marques denominaram “decisões trágicas” (5). Delduque MC, Marque SB. O direito social à saúde deve ser garantido por políticas públicas e decisões judiciais. In: Delduque MC, organizadora. Temas atuais de Direito Sanitário. Brasília: Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz; 2009. p. 121-128.
Conquanto a tutela dos interesses difusos e coletivos seja um fim que o Ministério Público não pode deixar de perseguir, é “perfeitamente possível seja ele alcançado a partir de uma pluralidade de percursos distintos, que não passam, necessariamente, pela judicialização da atuação” (7). Garcia E. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 6.ed. São Paulo: Saraiva; 2017. p. 463-464.
Dita seu art. 81, parágrafo único, inciso I, que são difusos os direitos transindividuais “de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato”. No inciso II conceitua como coletivos os direitos transindividuais “de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”. Por fim, no inciso III, diz dos “direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”. (21) . Brasil. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 12 set 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm [Acesso em 23.set.2017].
Considera-se mediação a atividade exercida por terceiro imparcial sem poder decisório que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia. (Art. 1º, Parágrafo único). (11) Brasil. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Diário Oficial da União. Brasília, 29 jun 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm#art47 [ Acesso em 24.set.2017].
Vale a advertência: “não se trata de um somatório de interesses individuais, mas sim de um novo interesse que pertence a muitos ou a um grupo, sem que pudesse ter fruição individual” (29). . Rodrigues GA. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta. 3.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense; 2011. p. 30.
que atua como “autêntico negociador” (33) Gavronski AA. Potencialidades e limites da negociação e mediação conduzida pelo Ministério Público. In Brasil, Conselho Nacional do Ministério Público. Manual de negociação e mediação para membros do Ministério Público. 2.ed. Brasília: CNMP; 2015. p. 143-163.
Trata-se do “mais fluido, básico e elementar meio de resolver controvérsias, e também o menos custoso” (23). Tartuce F. Mediação nos conflitos civis. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método; 2015. p. 42, 43, 73
Tartuce (23), valendo-se dos ensinamentos de Fischer e Ury, indica os princípios informadores da negociação:
[...] não negociar sobre posições (geralmente fechadas), mas considerar os interesses; separar as pessoas dos problemas (tratando os outros sempre com respeito, confiança e consideração); fixar-se nos reais interesses envolvidos (desejos e preocupações) e não nas posições formais adotadas (de rigidez ou conduta fechada); imaginar, criativamente, opções alternativas, com ganhos recíprocos. Tartuce F. Mediação nos conflitos civis. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método; 2015. p. 42, 43, 73
No dizer de Cambi:
“[...] permite o uso rawlsiano da razão pública, com a construção de critérios e motivações jurídicas, concebidas de modo objetivo e racional, na medida em que são compartilhados após serem compartilhadas outras concepções, experiências e mundividências que integram o pluralismo razoável, próprio das sociedades abertas e democráticas” (34). Cambi E. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais; 2009. p. 489.
Como bem pontua Godinho, “a moderna atividade do Ministério Público não se coaduna com uma postura burocrática, limitada ao exame de papéis dentro de um gabinete” (35). Godinho RR. A proteção processual dos direitos dos idosos: Ministério Público, tutela de direitos individuais e coletivos e acesso à justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris; 2007. p. 76-77.
A discricionariedade nas atribuições do Ministério Público faz-se presente quando, diante do caso concreto, é dado ao membro do Parquet a possibilidade de apreciar a circunstância fática que lhe impõe a atuação, segundo critérios de oportunidade e conveniência, e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas para o direito (36). Ribeiro CVA. Funções administrativas e discricionárias do Ministério Público. In: Ribeiro CVA, organizador. Ministério Público: reflexões sobre princípios e funções institucionais. São Paulo: Atlas; 2010. p. 339-356.
que no dizer de Souto “deve ser visto como o interesse primário, da sociedade, que, na era do pluralismo e da complexidade dos fenômenos sociais, resultará de um processo de harmonização” (37). Souto MJV. A era da consensualidade e o Ministério Público. In: Ribeiro CVA, coordenador. Ministério Público: reflexões sobre princípios e funções institucionais. São Paulo: Atlas; 2010. p. 286-304.
Autores(as) e coautores(as) retêm os direitos de copyright, mas cedem o direito à primeira publicação a Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário (CIADS).
CIADS adota a CC Attribution 4.0 International (CC BY 4.0) desde janeiro de 2023. Com essa licença, é permitido compartilhar e adaptar o material, conferindo os devidos créditos de autoria e menção ao Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário. Até 2022, a licença era Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International.