Tecnoconservadorismo, negacionismo científico e pânico moral: comunicação em saúde, desinformação sobre a cannabis medicinal e o direito à saúde no Brasil
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Palavras-chave

Cannabis medicinal
Comunicação em saúde
Negacionismo científico
Pânico moral
Política pública

DOI:

https://doi.org/10.17566/ciads.v14i3.1343

Como Citar

1.
Tecnoconservadorismo, negacionismo científico e pânico moral: comunicação em saúde, desinformação sobre a cannabis medicinal e o direito à saúde no Brasil. Cad. Ibero Am. Direito Sanit. [Internet]. 2º de setembro de 2025 [citado 10º de setembro de 2025];14(3):27-4. Disponível em: https://www.cadernos.prodisa.fiocruz.br/index.php/cadernos/article/view/1343

Resumo

Objective: este estudo analisou a relação entre discursos tecnoconservadores, negacionismo científico e pânico moral em torno do uso medicinal da cannabis, avaliando como tais narrativas interferiram no direito ao acesso à saúde e na formulação de políticas públicas no Brasil. Metodologia: adotou-se uma abordagem qualitativa de orientação etnográfica, articulando técnicas de cibercartografia e análise documental. O estudo mapeou atores, redes e discursos disseminados em plataformas digitais como YouTube, Instagram, WhatsApp, entre outros, no período de 2019 a 2024, de grupos e atores sociais autodenominados conservadores e/ou bolsonaristas com foco em conteúdos relacionados ao uso medicinal da cannabis. Além das postagens digitais, foi analisada em profundidade a cartilha governamental “Os riscos do uso da maconha e de sua legalização”, bem como documentos históricos e normativos sobre políticas de drogas e saúde pública. Resultados: o mapeamento evidenciou que influenciadores tecnoconservadores, apoiados por agentes estatais e editoras alinhadas, amplificaram conteúdos alarmistas que associaram a cannabis à criminalidade, degeneração moral e riscos irrestritos à saúde. A cartilha reforçou esse enquadramento ao omitir achados clínicos sobre a eficácia terapêutica do canabidiol e ao recorrer a metáforas religiosas e imagens sensacionalistas. Verificou se correlação temporal entre picos de engajamento dessas postagens e o arrefecimento de debates legislativos sobre a regulamentação medicinal da planta. Conclusão: a convergência entre governamentalidade algorítmica e discursos moralizantes dificultou a circulação de evidências científicas, favorecendo políticas punitivas e restringindo o direito de pacientes a tratamentos à base de cannabis.

Submissão: 25/02/25| Revisão: 17/04/25| Aprovação: 22/04/25

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