Resumo
Objetivo: analisar o cabimento ético-legal da sedação paliativa, distinguindo-a de condutas que possam ser consideradas eutanásicas e, portanto, penalmente vedadas pelo ordenamento jurídico pátrio e tradicionalmente rechaçadas pelos Códigos de Ética profissionais. Metodologia: mediante pesquisa exploratória bibliográfica, a partir de obras doutrinárias especializadas no tema dos conceitos associados a fim de vida e da disciplina normativa vigente, o estudo buscou cotejar o uso da sedação paliativa com outras condutas e situações relacionadas a terminalidade e morte, de sorte a procurar identificar com maior clareza a qualificação ética e jurídica da prática, sua relevância e licitude no campo dos cuidados paliativos. Resultados: verificou-se que, em meio à crise pandêmica, situações de mistanásia por carência de recursos nas unidades de saúde do estado do Amazonas levaram a uma indevida confusão na compreensão social entre sedação paliativa e eutanásia, impondo-se a necessidade de esclarecer os conceitos e limites entre as condutas. Conclusão: constatou-se a possibilidade jurídica de sedação paliativa como conduta ética e legal, desde que exercida dentro das exigências da boa prática clínica, sem intenção de deliberado encurtamento vital.
Submissão: 12/07/22 | Aprovação: 22/05/23
Referências
Nelson JE. Saving lives and saving deaths. Ann. Intern. Med. 1999; 130:776-777. doi https://doi.org/10.7326/0003-4819-130-9-199905040-00020
World Health Organization (WHO). Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard. [citado em 07 jul. 2022]. Disponível em: https://covid19.who.int/
Nohama N, Silva JS, Simão-Silva DP. Desafios e conflitos bioéticos da covid-19: contexto de saúde global. Rev. bioét. (Impr.). 2020; 28(4):585-94. doi https://doi.org/10.1590/1983-80422020284421
Sanches MA, Cunha TR, Siqueira JE. Perspectivas bioéticas sobre tomada de decisão em tempos de pandemia. Rev. bioét. (Impr.). 2020; 28(3):410-7. doi https://doi.org/10.1590/1983-80422020283401
Turin EB. Italians over 80 'will be left to die' as country overwhelmed by coronavirus. [citado em 10 abr. 2020]. Disponível em: https://www.telegraph.co.uk/news/2020/03/14/italians-80-will-left-die-country-overwhelmed-coronavirus/
Villas-Bôas ME. A população idosa e o ageism na atual pandemia: o desafio de uma abordagem humanista. In. Bahia, SJC; Martins, CEBR (Org.). Direitos e Deveres Fundamentais em Tempos de Coronavírus. v2. São Paulo: Ed. IASP; 2020. p. 347-368.
Villas-Bôas ME. O novo Coronavírus e o Judiciário: entre o Direito e a Medicina, na gestão sanitária emergencial. In. Bahia, SJC; Martins, CEBR (Org.). Direitos e Deveres Fundamentais em Tempos de Coronavírus. v3. São Paulo: Ed. IASP; 2020. p. 458-488.
Brasil. Ministério da Saúde. Manejo de corpos no contexto do novo coronavírus COVID-19. Brasília: Ministério da Saúde, 2020 [citado em 12 abr. 2020]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/marco/25/manejo-corpos-coronavirus-versao1-25mar20-rev5.pdf
Temel JS, Greer JA, Muzikansky A, Gallagher ER, Admane S, Jackson VA, et al. Early palliative care for patients with metastatic non‐small‐cell lung cancer. New England Journal of Medicine. 2010; 363(8):733‐42. doi https://doi.org/10.1056/NEJMoa1000678
World Health Organization. Integrating palliative care and symptom relief into the response to humanitarian emergencies and crises: a WHO Guide. Geneva: WHO; 2018.
World Health Organization. National cancer control programmes: policies and managerial guidelines. 2.ed. Geneva: WHO; 2002.
European Association for Palliative Care, International Association for Hospice and Palliative Care, Worldwide Palliative Care Alliance, Human Rights Watch. Carta de Praga. [citado em 09 nov. 2022]. Disponível em: https://www.ghc.com.br/files/CARTA%20DE%20PRAGA%20SOBRE%20CUIDADOS%20PALIATIVOS.pdf
Brasil. Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Resolução nº 355/2022. [citado em 09 nov. 2022]. Disponível em: https://www.editoraroncarati.com.br/v2/Diario-Oficial/Diario-Oficial/RESOLUCAO-CREMESP-N%C2%BA-355-DE-23-10-2022.html#:~:text=RESOLU%C3%87%C3%83O%20CREMESP%20N%C2%BA%20355%2C%20DE%2023.10.2022%20Estabelece%20diretrizes,pacientes%20que%20enfrentam%20a%20fase%20final%20da%20vida
Kant I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. São Paulo: Martins Claret; 2005.
Tritany EF, Filho BABS, Mendonça PEX. Fortalecer os Cuidados Paliativos durante a pandemia de Covid-19. Interface (Botucatu). 2021 [citado em 02 fev. 2021]; 25(Supl. 1): e200397. Disponível em: https://doi.org/10.1590/Interface.200397
Florêncio RS, Cestari VR, Souza LC, Flor AC, Nogueira VP, Moreira TM, et al. Cuidados paliativos no contexto da pandemia de COVID-19: desafios e contribuições. Acta Paul Enferm. 2020 [citado em 02 fev. 2021]. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ape/v33/1982-0194-ape-33-eAPE20200188.pdf doi https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO01886
El País. Morrer sem oxigênio em Manaus, a tragédia que escancara a negligência política na pandemia [citado em 18 fev. 2021]. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-01-15/morrer-sem-oxigenio-em-uma-maca-em-manaus-a-tragedia-que-escancara-a-negligencia-politica-na-pandemia.html
Lima L. Caos na Pandemia: Sem oxigênio, pacientes morrem asfixiados em Manaus [citado em 18 fev. 2021]. Disponível em: https://amazoniareal.com.br/caos-na-pandemia-sem-oxigenio-pacientes-morrem-asfixiados-em-manaus/
Braga A. Denúncia: eutanásia em pacientes quando acabou o oxigênio nos hospitais de Manaus [citado em 18 fev. 2021]. Disponível em: https://d24am.com/artigos/alex-braga/denuncia-eutanasia-em-pacientes-quando-acabou-o-oxigenio-nos-hospitais-de-manaus/
Villas-Bôas ME. A Ortotanásia e o Direito Penal Brasileiro. Revista Bioética. 2008; 16:61-83.
Pessini L. Distanásia: Até quando prolongar a vida? São Paulo: Loyola; 2001.
Pessini L. Eutanásia: Por que abreviar a vida? São Paulo: Loyola; 2004.
Villas-Bôas ME. Justiça distributiva, critérios de alocação de recursos escassos em saúde e suas críticas. Revista Redbioetica/UNESCO. 2010; 1:73-84.
Pessini L, Barchinfontaine CP. Problemas Atuais de Bioética. 5ed. São Paulo: Loyola; 2000. 300p.
Cruz MR, Trindade ES. Bioética de Intervenção - uma proposta epistemológica e uma necessidade para sociedades com grupos sociais vulneráveis. RBB. Revista Brasileira de Bioética. 2006; 2:483-500. doi https://doi.org/10.26512/rbb.v2i4.8175
Berlinguer G. Bioética cotidiana. Brasília: UNB; 2004. p. 94-104.
Eich M, Verdi MIM, Martins PPS. Deliberação moral em sedação paliativa para uma equipe de cuidados paliativos oncológicos. Rev. Bioét. (Impr.). Set.-dez. 2015; 23(3):583-592. doi https://doi.org/10.1590/1983-80422015233095
Fioriani CA. Moderno movimento hospice: kalotanásia e o revivalismo estético da boa morte. Rev. Bioét. (Impr.). 2013; 21(3):397-404. doi https://doi.org/10.1590/S1983-80422013000300003
Villas-Bôas ME. Da Eutanásia ao Prolongamento Artificial: aspectos polêmicos na disciplina jurídico-penal do final de vida. Rio de Janeiro: Forense; 2005.
Distrito Federal. Protocolo de Atenção à Saúde: Diretriz para Cuidados Paliativos em pacientes críticos adultos admitidos em UTI. [citado em 24 fev. 2021]. Disponível em: http://www.saude.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2018/04/3.-Diretrizes-para-Cuidados-Paliativos.pdf
D´Alessandro MPS, Pires CT, Fortes DN. Manual de Cuidados Paliativos. São Paulo: Hospital Sírio-Libanês, Ministério da Saúde; 2020.
Martins O. Sedação Paliativa. [citado em 12 mar. 2021]. Disponível em: https://medicinapaliativa.pt/itools/upload/document/blog/180423191959.pdf
Menezes MS, Figueiredo MGMCA. O papel da sedação paliativa no fim da vida: aspectos médicos e éticos - Revisão. Revista Brasileira de Anestesiologia. 2019; 69(1):72-77. doi https://doi.org/10.1016/j.bjan.2018.03.002
Nogueira FL, Sakata RK. Palliative sedation of terminally ill patients. Revista Brasileira de Anestesiologia. 2012; 62(4):586-592. doi https://doi.org/10.1590/S0034-70942012000400012
Miccinesi G, Caraceni A, Maltoni M. Palliative sedation: ethical aspects. Minerva Anestesiol. 2017; 83:1317-23. doi https://doi.org/10.23736/S0375-9393.17.12091-2
Menezes RA, Lima CP. Sedação paliativa em fim de vida: debates em torno das prescrições médicas. Revista M. Estudos sobre a morte, os mortos e o morrer. Maio 2019 [citado em 08 mar 2021]; [S.l.], 3(6):405-420. Disponível em: http://www.seer.unirio.br/index.php/revistam/article/view/9047/7777 doi https://doi.org/10.9789/2525-3050.2018.v3i6.405-420
Moritz RD. Cuidados Paliativos em Ambientes Críticos. In: Moritz RD (org). Conflitos Bioéticos do Viver e do Morrer. Brasília: CFM; 2011. p. 101-112.
Congregação para a Doutrina da Fé. Carta Samaritanus bonus: Sobre o cuidado das pessoas nas fases críticas e terminais da vida, 2020. [citado em 24 fev. 2021]. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20200714_samaritanus-bonus_po.html
Brasil. Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará. Cuidados Paliativos e a Pandemia de COVID-19. 2020 [citado em 08 mar. 2021]. Disponível em: https://www.cremec.org.br/jornal/jornal140.pdf
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. [citado em 25 jun. 2021]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
Dotti RA. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense; 2001.
Carvalho JCM. Responsabilidade Civil Médica. 3ed. Rio de Janeiro: Destaque; 2002. doi https://doi.org/10.1590/2237-101X003005016
Pierangeli JH. O Consentimento do Ofendido na Teoria do Delito. 3ed. São Paulo: Revista dos Tribunais; 2001.
Brasil. Ministério da Saúde/Gabinete do Ministro/Comissão Intergestores Tripartite. Resolução nº 41, de 31 de outubro de 2018: Dispõe sobre as diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito Sistema Único de Saúde (SUS). [citado em 08 mar. 2021]. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/51520746/do1-2018-11-23-resolucao-n-41-de-31-de-outubro-de-2018-51520710
Santos E. O que é iatrogenia. [citado em 07 maio 2021]. Disponível em: https://ezequielrizzo.jusbrasil.com.br/artigos/678064906/o-que-e-iatrogenia
Bruno A. Direito Penal: Crimes contra a Pessoa. 2ed. Rio de Janeiro: Forense; 1972.
Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.805/2006. [citado em 04 mar. 2021]. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2006/1805
Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.217/2018. [citado em 25 fev. 2021]. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf
Villas-Bôas ME. O Direito à Saúde no Brasil: reflexões bioéticas à luz do princípio da justiça. São Paulo: Loyola; 2014.
Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.156/2016 [citado em 12 mar. 2021]. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2016/2156
Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.995/2012. [citado em 04 mar. 2021]. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2012/1995
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Copyright (c) 2023 Maria Elisa Villas-Bôas (Autor)